«Se algum dia tiver de perder umas eleições em Portugal para salvar o País, que se lixem as eleições, o que interessa é Portugal", disse esta semana Pedro Passos Coelho. É uma declaração que rejeita o eleitoralismo ao mesmo tempo que é profundamente eleitoralista, e por isso só está ao alcance de um político muito hábil. Sou um grande admirador de declarações que contradizem aquilo que afirmam. "Eu não gosto de falar de mim", diz alguém. E eu rejubilo, porque essa pessoa acaba de me fornecer uma informação sobre si mesma -logo ela que não aprecia fazê-lo. Com Passos Coelho sucede o mesmo: é eleitoralista quando repudia o eleitoralismo. Sacrifica-se duplamente por nós: perdendo eleições e incorrendo em abominável eleitoralismo.
Mas, mais do que fazer aquilo que repudia, aquela declaração é importante para compreender a soteriologia do passoscoelhismo, que difere bastante da da maior parte das religiões. Em princípio, uma religião só oferece a salvação ao crente que deseje ser salvo. No passoscoelhismo, porém, a salvação não depende da vontade do crente. Passos Coelho é nosso redentor quer nós queiramos quer não. Ele vai salvar-nos e é à bruta.
Repare-se que, para salvar o País, ele não se importa de perder umas eleições.
O eleitorado, que aparentemente prefere a perdição do País, ameaça castigar Passos Coelho com uma derrota eleitoral.
Nas urnas, o povo português fará o raciocínio inverso ao do primeiro-ministro: que se lixe Portugal, o que interessa são as eleições. Mas Passos Coelho não se importa. Vai salvar-nos, mesmo contra a nossa vontade.
Outra distinção importante reside no facto de Cristo se ter sacrificado por nós.
Passos Coelho opta por infligir os sacrifícios àqueles que pretende salvar. Uma coisa é ser Messias, outra é ser parvo.
Cristo percorreu a Via Dolorosa; Passos Coelho põe o povo a percorrê-la. E antes fez com que a via deixasse o regime SCUT, para a cruz ficar mais pesada.
Um dos problemas da salvação oferecida por Passos Coelho é que a maior parte das pessoas não se apercebe de que está a ser salva. Não compreende que está desempregada para seu bem, que vive mal para impressionar favoravelmente os mercados, que ganha salários miseráveis para glória presente e futura de Portugal.
Ninguém mandou Passos Coelho tentar salvar um povo tão estúpido.»
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